IGNORADO: 29 ANOS DE CRIAÇÃO DO "PROJETO IGUAÇU" O PROJETO DE COMBATE AS ENCHENTES NA BAIXADA FLUMINENSE

Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, segue com regiões alagadas em mais de 24 horas depois da chuva.
Na foto, bairro Pilar. — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo Jan/2024

BAIXADA FLUMINENSE
- Trouxemos pra vocês alguns trechos retirado do RELATÓRIO FINAL do Plano Diretor de Recurso Hídricos das Bacias dos Rio Iguaçu, Botas e Sarapuí batizado de "PROJETO IGUAÇU", o projeto técnico de Combate as Inundações e Enchentes nos municípios da Baixada Fluminense, projeto que foi criado ao longo de quase 10 anos (após as Enchentes de 1988) de pesquisas baseados no histórico de eventos climáticos, enchentes e inundações que atingiram a região desde o Brasil Império por técnicos da COPPE/UFRJ em parceria com o Governo do Estado do Rio de Janeiro através da SERLA (INEA) além de terem sido feitas várias pesquisas de campo e discussão com o movimento social organizado e com a população atingida. É O MAIOR PROJETO DE PREVENÇÃO DE ENCHENTES DO BRASIL mas que infelizmente devido ao "interesse ou desinteresse político" permaneceu "engavetado" por quase 14 anos de 1995 à 2008 tendo iniciado suas ações efetivas em 2009 através do PAC 1 e essa inércia dos governos só fez foi agravar mais a situação na Baixada e a vitimar cada vez mais pessoas.
  
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A parcela da Baixada Fluminense localizada nas cercanias da cidade do Rio de Janeiro, destacada no mapa de localização, foi objeto de inúmeras intervenções patrocinadas pelo Governo Federal para combate às enchentes, a partir da década de 30. Entre estas, a construção de canais, diques, comportas e estações de bombeamento que visavam essencialmente o combate às endemias de veiculação hídrica e a recuperação de extensas áreas alagadiças. As estruturas hidráulicas foram projetadas para uso agrícola, e não urbano, já que os critérios de projeto então empregados admitiam a ocorrência de inundações de curta duração.

O processo migratório que se iniciou a partir da década de 50, e que se acelerou a partir da década de 70, fez com que as áreas fronteiriças à cidade do Rio de Janeiro fossem intensamente ocupadas por numerosos contingentes populacionais que lá foram edificar suas moradias, em geral de forma desordenada. Hoje, a Baixada Fluminense abriga mais de 2 milhões de habitantes em 6 municípios.


O caótico processo de urbanização acarretou as seguintes consequências:

• Ocupação do leito maior dos rios e em muitos casos do leito menor, o que tem impossibilitado a construção de avenidas canais e a manutenção dos cursos d'água;

• Acelerado processo de assoreamento, devido ao desmatamento das encostas e ao lixo não recolhido por administrações municipais bastante carentes;

• Aumento do escoamento superficial devido à impermeabilização da bacia hidrográfica;

• Destruição das estruturas hidráulicas, particularmente Comportas e Bombas, para venda dos componentes como sucata, ou por puro vandalismo.

Não é surpresa, portanto, que diferentes tempestades de verão com intensidades semelhantes formem contingentes de flagelados cada vez mais numerosos, à medida que passam os anos. O problema tem sido agravado pela política de saneamento, que apesar de levar água encanada à maior parte dos domicílios da Baixada, tem falhado no estabelecimento de uma estrutura de coleta e tratamento de esgotos. Hoje toda a Baixada é entrecortada por uma rede de valas poluídas que transbordam por ocasião das chuvas, causando sérios problemas de saúde para a população.


Em fevereiro de 1988, uma cheia excepcional deixou um rastro de destruição, mortes e doenças. Este evento motivou o Governo do Estado do Rio de Janeiro a criar um programa emergencial de re-estruturação da infra-estrutura urbana das áreas afetadas, com ênfase em obras de macrodrenagem.

Ilustração de ações feitas pelo DNOS/1934 e previstas no Programa RECONSTRUÇÃO RIO. Planágua/2001

O programa, chamado de Reconstrução-Rio, obteve financiamento do Banco Mundial (BIRD) e da Caixa Econômica Federal (CEF). Por diversas razões de caráter político-administrativo, a parte principal das obras de macrodrenagem, no valor total de US$150 milhões, foi realizada no biênio 1994-95, sob coordenação do Eng. Paulo Canedo de Magalhães.

Constou principalmente de:

• Melhoria da capacidade de escoamento dos rios e canais, através da dragagem e/ou canalização dos cursos d’água;

• Construção de duas barragens de contenção de cheias, localizadas no campo de provas do Exército em Gericinó;

• Proteção de margens dos cursos d’água contra erosão, nos casos de risco para vias públicas, casas e outros equipamentos urbanos;

• Remoção/substituição de equipamentos urbanos sub-dimensionados, tais como PONTES BAIXAS ou curtas, tubos de drenagem com dimensões insuficientes, entre outros. Estes equipamentos, instalados pelas prefeituras municipais sem um estudo hidráulico correto, funcionavam nas enchentes como "rolhas", se constituindo em obstáculos ao escoamento;

• Remanejamento de adutoras e/ou gasodutos que cruzavam transversalmente os cursos d'água em cotas inadequadas, que funcionavam nas enchentes como "retentores de lixo".

Ilustração de funcionamento de um PÔLDER DE INUNDAÇÃO como uso de Diques, Comportas e Estação
de Bombeamento. Planágua/2001

Cerca de 30% dos gastos de macrodrenagem do Programa Reconstrução-Rio foram empregados refazendo obras de engenharia projetadas no passado sem a devida atenção para os efeitos que tais obras teriam sobre a drenagem. Deve-se registrar a necessidade de uma atuação preventiva mais efetiva por parte do Estado através da implantação de mecanismos de licenciamento de obras que respeitem os devidos critérios técnicos.

A principal dificuldade encontrada na implantação das obras do Projeto Reconstrução-Rio foi equacionar corretamente a questão do reassentamento da população ribeirinha, cujas habitações além de se encontrarem em área de risco também impediam a execução dos serviços. O Programa Reconstrução-Rio providenciou o reassentamento de cerca de 2500 famílias, que haviam invadido as áreas marginais aos cursos d’água, vivendo, em sua maioria, em precárias condições de segurança e de saneamento. Estas invasões tem ocorrido devido a falta de uma política habitacional que atenda à demanda por áreas para construção de moradias na região. Por outro lado, historicamente o poder público, incluindo o judiciário, tem sido ágil em fazer respeitar o princípio da propriedade privada, impedindo a ocupação de terrenos particulares, ainda que desocupados e fora de áreas de risco, mas não tem demonstrado a mesma agilidade quando se trata de impedir a ocupação de áreas públicas de risco, como são as margens dos rios.

Agindo assim, o poder público desrespeita o interesse da maioria da população que irá sofrer duplamente as conseqüências do estrangulamento dos cursos d’água provocado pelas construções ribeirinhas. Por um lado sendo atingido com o agravamento dos efeitos das inundações. Por outro lado todos arcam com o ônus financeiro derivado da necessidade de se adotar uma solução técnica mais cara, piorando o projeto, para reduzir relocações. Por exemplo, em diversos trechos das obras do Programa Reconstrução- Rio, não foi possível encontrar uma solução exeqüível para o reassentamento, face a pouca disponibilidade de alternativas habitacionais capazes de satisfazer as condicionantes sociais e políticas. Nestes casos foi necessário mudar o alinhamento do projeto inicial aumentando a extensão de galerias/canais a construir, ou trocando a seção hidráulica do canal de terra para concreto para minimizar o reassentamento. Estas soluções oneraram o projeto impedindo a execução de obras em outros locais também afetados pelas enchentes.


As obras do Programa Reconstrução-Rio, apesar de bastante abrangentes, não foram suficientes para sanar completamente décadas de abandono e de urbanização caótica. No que diz respeito especificamente ao controle de inundações, o número total de atingidos diretamente pelas inundações baixou de 350 para 189 mil1 somente na bacia do Iguaçú-Sarapuí. A redução do número de pessoas indiretamente atingidas pelas inundações e os prejuízos causados são de difícil estimativa. Incluem-se nesta categoria, por exemplo, as pessoas que, apesar de não terem suas casas invadidas pelas águas, acabam por não comparecer aos locais de trabalho por efeito de interrupção de tráfego nas vias inundadas. Mesmo assim, uma avaliação parcial dos benefícios das obras do projeto Reconstrução- Rio é apresentada no Anexo 1 onde se verifica uma relação benefício/custo de 6,5, para a bacia do Iguaçú-Sarapuí. Para a totalidade das obras do projeto Reconstrução- Rio a relação benefício-custo está estimada em 5,5.

Apesar das intervenções patrocinadas na região pelo projeto Reconstrução-Rio, muito ainda há por se fazer. Por esta razão, a SERLA, com o apoio do BIRD e da CEF e em convênio com o PNUD, montou uma equipe técnica com profissionais altamente capacitados, com o objetivo de elaborar o Plano Diretor Integrado de Controle de Inundações da Bacia do Rio Iguaçu-Sarapuí.

Na realidade, a equipe técnica, localizada no Laboratório de Hidrologia da COPPE-UFRJ, foi constituída com o objetivo de a longo prazo contribuir para o estabelecimento do Sistema de Gestão de Recursos Hídricos do Estado do Rio de Janeiro.

A elaboração do Plano se constituiu num importante mecanismo de capacitação da SERLA na gestão integrada de uma bacia hidrográfica. A Bacia do Iguaçu-Sarapuí cobre a principal porção da Baixada Fluminense mais frequentemente atingida pelas cheias e apresenta condições favoráveis à abordagem da gestão integrada. Ela engloba seis municípios, cada um deles com seus respectivos órgãos de gestão, além do Estado, que também está presente naquela área, por intermédio da SERLA, executando obras de drenagem, e da CEDAE, CERJ e FEEMA, entre outros.


A escolha da bacia da Bacia do Rio Iguaçu-Sarapuí apresenta ainda as seguintes vantagens:

• É uma bacia da região metropolitana do Rio de Janeiro, uma das mais problemáticas do Estado;

• Apresenta áreas de grande desenvolvimento urbano e industrial;

• Apresenta ampla zona rural em processo de urbanização;

• Possui mananciais importantes para o abastecimento d'água da Baixada Fluminense;

• Apresenta áreas onde a ocupação do solo conflita com as condições de habitabilidade, em especial zonas mal drenadas;

• Exibe características de alguns ecossistemas importantes do Estado, tais como mata atlântica e manguezais da baía de Guanabara.

(Nota de rodapé) Para efeito deste cálculo, admite-se a ocorrência da precipitação com tempo de recorrência de 20 anos, que equivale a um evento meteorológico extremo, com probabilidade de ser ultrapassado num ano qualquer igual a 0,05.

O Plano foi desenvolvido a partir de análises de mapas temáticos básicos e de estudos hidrológicos e hidráulicos, com o objetivo de explicitar as principais causas dos problemas de inundação, inclusive aquelas de origem institucional. Serviu para elencar um conjunto de intervenções harmônicas, de caráter estrutural (obras) e não-estrutural (planejamento do uso do solo e proposta de nova arquitetura institucional), que irão consolidar as obras desenvolvidas no Programa Reconstrução-Rio. O Plano foi desenvolvido com uso de metodologias que não se restringem à bacia do Iguaçu-Sarapuí, prevendo ampliação de escopo em duas dimensões:

(i) no plano geográfico, para aplicação às demais bacias hidrográficas do Estado do Rio de Janeiro;

(ii) no plano da abrangência temática, para permitir o aprofundamento do trabalho em outros setores, além do controle de inundações (disponibilidade hídrica para abastecimento, irrigação e qualidade de água, por exemplo).

Da mesma forma, a coleta de dados não se limitou aos aspectos ligados apenas a controle de inundações, mas abrangeu todo o escopo de interesse para gestão de recursos hídricos e ambientais.

O Plano Diretor Integrado de Controle de Inundações elaborado para a bacia do Iguaçú- Sarapuí apresenta como resultados principais:

(i) um programa de obras complementares, no valor total estimado de aproximadamente R$ 198 milhões (na época,valor não atualizado) e,

(ii) um programa de iniciativas não estruturais com as principais iniciativas de prevenção contra as inundações, principalmente nos domínios institucional, de uso do solo, de equipamento urbano (coleta de lixo, por exemplo), e de instalação de rede hidrometeorológica (para permitir projetos futuros melhor elaborados), no valor total estimado de aproximadamente R$ 169 milhões (na época,valor não atualizado).

Mapas anexados ao relatório mostram as manchas de inundação em três tempos: (a) situação passada, antes das obras do Reconstrução-Rio; (b) situação atual; (c) situação futura, depois da implantação das ações propostas no presente Plano Diretor. Como se vê, o Plano Diretor prevê a preservação de áreas inundáveis, atualmente escassamente povoadas. Esta opção implica em substantivas economias, quando comparada com o que seria necessário fazer para eliminar completamente as áreas inundáveis. É de suma importância que as prefeituras municipais, que são responsáveis pelas medidas de controle da expansão urbana, atuem efetivamente no sentido de coibir loteamentos nestas áreas remanescentes.

Tradicionalmente, boas iniciativas na administração pública dão parcos resultados por falta de continuidade. Já em 1934, o Eng. Hidelbrando de Araújo Góes, então engenheiro chefe da Comissão de Saneamento da Baixada Fluminense, dizia


“Os insucessos, verificados nos trabalhos da Baixada Fluminense, resultam, além da falta de unidade de direção, da descontinuidade administrativa.”

(Nota de Rodapé) Saneamento da Baixada Fluminense, Ministério da Viação e Obras Públicas, 1934. Devido à atualidade do texto, apresenta-se no Anexo 2 uma transcrição parcial deste excelente relatório.

Um antídoto para essa prática consiste em envolver a sociedade civil em todo o processo de planejamento, desde o início, a fim de que ela, em função do interesse despertado, não apenas contribua para a realização das tarefas, mas também interfira diretamente na continuidade, exigindo conclusão. Deste modo, decidiu-se criar o Comitê de Acompanhamento do Plano, composto por representantes das prefeituras, das federações de associações de moradores dos municípios da bacia, bem como de diversos órgãos estaduais, como a FEEMA, CEDAE e IEF. O Comitê começou a atuar em setembro de 1994 e desde então tem se reunido uma vez por mês, em diferentes locais da Baixada. Em muitas ocasiões, foram organizadas visitas conjuntas (membros da equipe de projeto + representantes das associações de moradores) para diagnosticar "in loco" problemas de drenagem, cujas soluções passaram a integrar o Plano. O acerto dessa estratégia é bem sintetizado nas palavras de Bartíria Lima da Costa, Presidente da Federação de Associações de Moradores de Nova Iguaçu e Secretária Executiva do Comitê de Saneamento da Baixada Fluminense, em recente pronunciamento:

“O Projeto Iguaçu é um senhor projeto porque houve planejamento discutido conosco. Faço questão de deixar escrito que as reuniões do Projeto se dão todas as últimas quartas-feiras - até hoje não faltou uma. Todas as vezes os técnicos do Projeto nos apresentavam o que pensavam fazer; nós trocávamos idéias, analisávamos e eles iam constatar o que precisava ser feito no local. Na reunião seguinte, nós discutíamos o que havia sido visto e daí se partia para a ação. Assim é como funcionou.

Para nós o Projeto Iguaçu é um marco de referência na Baixada - e tenho certeza de que para todos os realmente interessados também. Hoje não se pode pensar em nada para a Baixada sem consultar os documentos do Projeto Iguaçu. É fundamental aproveitar a vasta e rica experiência que vivemos e colhemos nesse esforço conjunto.”

Outro participante do Comitê de Acompanhamento do Projeto Iguaçu, Josinaldo Aleixo de Souza, Presidente da Federação de Associações de Moradores de Duque de Caxias, ressaltou a importância do desdobramento do Projeto Iguaçu, afirmando que......

“É preciso criar um modelo que institucionalize a relação entre os participantes, ou seja, manter o canal entre a sociedade civil, as prefeituras, o Estado e a universidade.

Os novos projetos que surjam devem absorver a experiência do Projeto Iguaçu. Nós nos sentimos muito respeitados com o que houve com o Projeto Iguaçu.”

Ao final deste prólogo apresenta-se a relação das reuniões do Comitê de Acompanhamento e a lista dos membros e demais interessados que efetivamente participaram das mesmas, contribuindo para o sucesso do Plano Diretor com críticas e sugestões. Com toda a justiça, deve-se creditar a essas pessoas a co-autoria do Plano.

(Nota de Rodapé) O pronunciamento foi feito em 26 de junho de 1996, em reunião patrocinada pela Secretaria Estadual de Planejamento, para discussão do Programa Baixada Viva.

Fontes: Plano Diretor de Recursos Hídricos das Bacias dos Rios Iguaçu, Botas e Sarapuí / COPPE/UFRJ/SERLA/ Governo do Estado RJ - Trecho (IG - RE - Vol29 - Relatório Final - Ênfase em Inundações/1995)
Projeto PLANÁGUA-SEMADS - 2001 - Ricardo Dagnino
Por: Rogerio Gomes
Representante do CAO/Rio Iguaçu - Duque de Caxias e Belford Roxo - PROJETO IGUAÇU

Rogerio Gomes - Controle Social Projeto Iguaçu/PAC

Ex-coordenador Geral da Comissão Executiva do Fórum Regional de Controle Social do Projeto Iguaçu/PAC e Representante do CAO/LOTE XV - Comitê de Acompanhamento e Fiscalização das Obras do Projeto Iguaçu na Região do Rio Iguaçu - Bairro Lote XV - Belford Roxo - RJ - BRASIL

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